Perdidos no tempo – Capítulo 2: “Numa sala vazia”

quarta-feira, setembro 30, 2015

Muito barulho, confusão, gritaria, esse era o cenário de trabalho de Pedro. Bem, pelo menos agora que conseguira fazer sua pesquisa de trabalho final da faculdade no Manicômio Júlio Salles. Passou muito tempo tentando convencer Dra. Helen de que, mesmo ainda estudante, tinha capacidade e maturidade de fazer sua pesquisa bem próximo dos pacientes.

A intenção de Pedro é encontrar uma lógica, um lado racional na doença mental. Encontrar significado para o que os pacientes dizem, acreditam. O estudo que ele propunha nunca era muito bem visto, por isso, ainda que soubesse que não era muito certo, mentiu a razão verdadeira de estar ali. Para Dra. Helen disse somente que seu TCC se focava em entender a mente humana. Mesmo sendo muito genérico, a psiquiatra não perguntou muito sobre a pesquisa em si. A preocupação dela era a idade de Pedro, ele, mesmo estando no penúltimo ano de faculdade tinha apenas 19 anos.


Todos os dias Pedro esperava Dra. Helen na porta do Júlio Salles. A médica já não suportava a perseguição e, mesmo sem entender a razão de querer tanto pesquisar justo lá, terminou cedendo para se livrar dele. “Já tenho problemas demais”, repetia enquanto assinava a permissão para que ele pudesse frequentar duas vezes por semana o manicômio que administrava.

O motivo de Pedro querer tanto precisamente o Júlio Salles, tão misterioso para Helen, era desvendar um mistério de sua infância. Era ali, naquele manicômio que ele poderia usar sua pesquisa como pretexto para descobrir algo que o angustiava há muito tempo. Havia lá um paciente que o intrigava profundamente, estudou psicologia justamente depois de conhecer o caso que tanto desejava entender.

Há algum tempo atrás, num sábado bem cedinho ele estava lá, nu. Pedro tinha somente dezessete anos quando avistou um homem na praia, estava pelado e parecia confuso. Sua família estava chocada. Ia todo fim de semana aproveitar um sol, uma tradição que existia mesmo antes de ele nascer. Quando sua irmã, de apenas oito anos na época, avistou um nu frontal do rapaz que ali fitava o nada, sua avó resolveu ligar para a polícia. Tentou impedir, mas D. Norma estava resoluta. Queria compreender o que estava acontecendo. Percebia que o rapaz nu repetia uma frase sem parar, mas não dava para ouvir ao certo o que era. Sabia somente que era algo sobre o tempo. Mas o que? O que era que ele tanto dizia?

Ficava rodando, distante do homem, tomando coragem para se aproximar, perguntar alguma coisa, mas não conseguia. Quando, finalmente, respirou fundou e caminhou em direção dele, a polícia chegou. Nunca tinha visto tanta velocidade para a chegada de policiais em sua vida, parecia então que atentado ao pudor ainda era mais importante que um assalto. Queria perguntar algo, ouvir mais de perto, mas era covarde demais para tanto. Estava ali imóvel, quase igual ao homem sem roupas, olhando fixamente a cena, congelado. Tomado por uma coragem repentina, caminhou decidido em direção ao ocorrido, mas os policiais levaram o homem embora. Pedro se aproximou de um policial que fez sinal para que ele se afastasse.

Mais tarde descobriu que ele havia sido enviado para um manicômio, o Júlio Salles, e que lá ele só ficava minimamente bem quando o colocavam num quarto vazio, sem absolutamente nada ou ninguém. Antes de pensar que poderia fazer um trabalho de campo na própria instituição tentou descobrir por si mesmo algumas informações. Contudo, era muito difícil encontrar material. Os meios de comunicação o relatavam como um doido pelado, faziam piadas com a clássica história da Nova Roupa do Imperador, mas ninguém nunca explicava muito além do que já sabia, ficam mesmo na piada. Nunca tinham achado família, amigos ou mesmo o nome e a cidadania do misterioso rapaz.

Falava português, muito bem por sinal, mas de quando em quando, mesmo na única frase que repetia, percebia-se um leve sotaque, mas não era o suficiente, somente uma frase, para identificar a nacionalidade dele. Esses eram os únicos dados que sabia que eram verdadeiros e conhecidos até então. Mais nada, nada era sabido. Por um tempo pensou em desistir, largar essa ideia de sua cabeça. Era uma obsessão sem tamanho que tinha tomado conta dele. Passou um tempo sem comer e dormir direito e mais um tempo decidido a não pensar mais no assunto até que teve a ideia de fazer sua pesquisa sobre os pacientes do Júlio Salles. Era o plano perfeito, não tinha como dar errado, pelo menos até então tudo estava saindo exatamente como planejado. Agora era só esperar seu primeiro dia, o dia em que todo seu esforço valeria a pena. Ansioso, caminhava decidido pelos corredores do manicômio, procurando discretamente com o olhar o quarto do homem do tempo, nome que havia dado para o transeunte perdido na praia há dois anos atrás.

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