Perdidos no Tempo - Capítulo 4: "Little Boy"

quarta-feira, outubro 28, 2015

"Little Boy...

Oh, Little Boy...

Paixão explosiva

Morte instantânea"

O Professor Emerson era daqueles apaixonados pela poesia.

Dizia para seus alunos da classe de História do primeiro ano colegial que suas poesias e musiquinhas improvisadas serviriam para que nunca esquecessem dos marcos históricos da humanidade. Se enchia de orgulho quando supervisionava uma prova e conseguia escutar, ao meio do silêncio, um de seus alunos fechar os olhos e murmurar seus versos.

"Little Boy...

Oh, Little Boy..."

O Homem do Tempo abriu os olhos novamente. Tentava se lembrar da segunda estrofe daquela poesia de seu professor, mas o barulho ensurdecedor dos alarmes daquela cidade pareciam estar ali com o único e exclusivo intuito de perturbar seus pensamentos. Sua lógica, sempre cirúrgica, matemática, estava sendo testada ao último limite.


Não era preciso ter sido um exímio aluno de História para conhecer o trágico destino da cidade em que acabara de... Surgir. Tinha consciência de que aquele local (ou melhor, aquele tempo específico), era um dos menos agradáveis para se visitar.

Vermelho.

Sabe quando você leva uma pancada na cabeça e começa a enxergar tudo, absolutamente tudo, em vermelho, como se estivesse em uma sala escura de fotografia? Depois do passageiro cheiro de sangue se fundir à mistura nada agradável de fumaça e poeira que impregnava o ar da região de Toyama, o Homem do Tempo custou a se recompor do susto. Correu para baixo de uma barraca recentemente abandonada pelo dono, que em sua fuga se esbarrou violentamente contra o forasteiro. Por um ou dois segundos, o Homem poderia jurar que a própria bomba nuclear que devastaria aquela barraca e toda a cidade que visitava havia destruído seu corpo.

Em um impulso materialista, ficou branco pelo medo de ter quebrado os instrumentos recém recebidos pelo Homem de Barba. Procurou rapidamente os botões da câmera fotográfica para testar se estava funcionando. Nada. Em uma análise mais próxima, percebeu quanto estranho era aquele modelo. No lugar que procurava a entrada do filme fotográfico, apenas uma tela brilhante e preta. Em cima, onde deveria existir a alavanca destinada para avançar o quadro fotográfico, se via um tambor com diversas letras impressas em sua superfície.

Apenas um botão lhe parecia familiar. Um símbolo universal. O mesmo símbolo impresso no botão que faz funcionar aquele primeiro televisor à cores que comprara na semana anterior. Talvez, se soubesse que iria ingressar em um emprego que o mantivesse tão distante do seu apartamento do Flamengo, não tivesse gastado o resto de suas economias no aparelho.

Apertou o dispositivo. Em uma fração de segundo, aquela tela preta brilhante deu lugar a imagens coloridas e de uma nitidez jamais testemunhada pelo Homem do Tempo. Virou a câmera de um lado para o outro e percebia que as imagens acompanhavam o movimento. Olhou para fora de sua tela e constatou o óbvio. Aproximou um pouco a câmera do rosto para visualizar melhor as imagens e escolher o quadro que congelaria.

"Que tipo de empresa sádica contrataria alguém para fazer isso?"

Um garotinho de pouco mais de três anos estava sentado no chão. As pessoas corriam aos gritos sem notar sua presença. Diversos pés voavam pela lateral de seu rosto e aquele menino de olhos puxados permanecia plácido em uma posição de lótus. Olhava diretamente para o Homem do Tempo como se fosse um cúmplice, como se pedisse gentilmente para que o congelasse para sempre em seu registro fotográfico. O forasteiro tirou os olhos detrás da tela, afastando o aparelho e olhou diretamente para o rosto do menino.

Um grito.

Uma mulher do lado esquerdo do garoto lacera suas cordas vocais em um último grito enquanto aponta um avião que cruza o céu. Os olhos do Homem do Tempo retornam ao garoto que move levemente a cabeça, como se permitisse, como se o incentivasse a concluir seu trabalho e retornar com segurança ao ano de 1977. Ele ajeitou novamente a câmera em posição de ataque. Se certificou de que o botão de congelamento se encontrava na mesma posição instintiva de uma máquina fotográfica habitual e clicou três vezes para se certificar do sucesso da foto.

"Paixão Explosiva

Morte Instantânea

Era como chamavam a Tórrida Bomba

A Beleza Devastadora

Ou simplesmente:

Little Boy".


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